Os vento era frio, de rajadas rápidas. A chuva, incessante, a bater nas vidraças. Nada lá fora, nada parecia transparecer calma. Tudo era silêncio e solidão, com laivos de assobios bélicos e gelados de ar, que com uma violência atroz tenta a todo o custo atravessar as minhas paredes, as minhas janelas, a minha pele. Sentia-me no meio da tempestade. Tinha um tecto, um aconchego, um ninho. Estava abrigada. Mas todas as sensações - visuais... auditivas... tácteis... - me deixavam em sobressalto, e no desconforto de ter a alma à chuva. De ter os pés frios e molhados, e a roupa pesada. Chegava mesmo a sentir a humidade no pescoço, e as passadas difíceis. O querer chegar rápido, mas não saber bem onde, só querer que aquilo passasse e eu tivesse um raio de sol a aquecer-me a face. Bastava um raio de sol. Quando ele vem, é a paz, a estagnação nos bons sentimentos, é o peso da roupa a sair de cima e a deixar o corpo agradavelmente leve. É o pescoço a recuperar a sensação de calor humano. Quando ele vem, é os sapatos a secar na lareira e o chocolate quente. Quando vem esse raio de sol, é toda a felicidade e a paz contidos nalguns segundos. Logo, porém, a vil escuridão desse raio que se foi, ou que não querendo ir, foi afastado por nuvens negras de outono. O raio e o trovão a provar que nem sempre se pode ter o que se deseja. E o medo. Do escuro. O susto. O alerta. De novo a chuva e os pés molhados, e a sensação de que chove desde sempre e que levará semanas, meses, até que o sol brilhe de novo e venha para me aquecer a pele. Levará todo um outono, e todo um inverno. E é esse o verdadeiro medo. O de gelar até dentro, mais um inverno, mais uma hibernação. Mais um dia depois do outro.
RD
Há sempre esperança. Os raios podem ser sempre a Guiomar a tirar fotografias, os trovões podem ser sempre o Crespo que deixa cair os pesos... Coisas de sempre para sempre... Happyness is an inside job...